sábado, 7 de novembro de 2015

"O Big Bang é um mal-entendido"

Hubert Reeves, astrofísico franco-canadense, fala sobre o Big Bang.

Hubert Reeves, um dos mais instigantes astrofísicos da atualidade, diz que a ciência não sabe como o Universo surgiu: “ Ela nem sabe se o Universo teve uma origem”. Para ele, a Grande Explosão é só uma metáfora sobre o estado de Cosmo há cerca de 15 bilhões de anos.


O lançamento de um telescópio espacial e a construção de um anel subterrâneo para o choque de partículas subatômicas têm mais em comum do que a vista alcança: astrônomos, de um lado, e físicos, de outro, todos querem à sua maneira enxergar o Universo como era há uns 15 bilhões de anos, quando surgiu de uma explosão cósmica. Surgiu? Explosão? De repente, o Big Bang, uma das idéias científicas mais elegantes do século XX, sucesso de público e de crítica, começa a ser duramente questionado. Nada prova que o Universo tenha surgido, dizem os novos céticos. E, se surgiu, nada prova que tenha sido de uma explosão.

Nesse fascinante debate, uma voz ocupa cada vez mais o centro das atenções. Trata-se do astrofísico franco-canadense Hubert Reeves, 67 anos, doutor em Física pela Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, ex-conselheiro científico da NASA e diretor de pesquisa do renomado Centro Nacional de Investigações Científicas (CNRS), em Paris. De aparência frágil, embora seu esporte preferido seja esquiar, e temperamento afável, embora não se recuse à polemica. Reeves cultiva uma barba bíblica e uma louvável atitude de humildade cientifica. Conhecido divulgador de obras de ciência, dedicou "a todas as pessoas maravilhadas com o mundo" um de seus livros editados no Brasil, Um pouco mais de azul (1986). O outro é A hora do deslumbramento (1988). Nesta entrevista a Dominique Simonnet, da revista francesa L'Express, que SUPERINTERESSANTE publica com exclusividade para o Brasil, ele explica por que o Big Bang, a seu ver, virou -uma nova mitologia".



Hoje em dia, não é só aos homens de fé, mas, sobretudo aos homens de ciência, que se pergunta a respeito das grandes questões existenciais. Principalmente àqueles, como o senhor, que buscam encontrar nossas origens nas estrelas. Será que a Astrofísica quer se impor como uma nova metafísica?
Nem seria preciso. Se desde alguns anos os astrofísicos tornaram-se freqüentemente ouvidos sobre questões religiosas, se tanto as pessoas se perguntam qual o lugar do homem no Universo, talvez seja simplesmente porque tomamos consciência da nossa fragilidade e da do nosso planeta. Mas não se deve esquecer que ciência e religião percorrem campos muito diferentes: a primeira se pergunta como o mundo é feito: a segunda, como viver nossa vida de homens. Elas podem se esclarecer mutuamente, mas desde que cada uma permaneça em seu território. De rosto, sempre que a Igreja tentou impor sua explicação do mundo resultou um conflito. Lembrando-nos de Galileu e de Darwin



Não obstante, a religião católica parece aceitar bem atualmente as proposições da Astrofísica, a famosa teoria do Big Bang, por exemplo.

Sim. Talvez porque se fez do Big Bang uma nova mitologia, identificando-o à criação bíblica do mundo, o Fiat Lux (Faça-se a luz)



Mas como não fazer a aproximação? No princípio era o Big Bang, uma formidável explosão de luz, a 15 bilhões de anos, dando origem no Universo. Não é o que dizem os astrofísicos?

Não. Não podemos afirmar que o Big Bang seja a origem do Universo.


Mas é o que os senhores vêm repetindo há anos.

Eu sei. Provavelmente nós nos exprimimos mal e fomos também mal compreendidos. Hoje a ciência de modo algum pode afirmar que conhece a origem do Universo. Ela nem sequer sabe se o Universo teve uma origem. Falar de um começo implica obrigatoriamente a idéia de que antes desse acontecimento não havia nada. Ora, isso não sabemos.


Se assim é, se o Big Bang não é a Origem, o que quer dizer afinal essa expressão?

Ela designa o estado em que se encontrava o Universo há 15 bilhões de anos, eis tudo. Ou seja, a época mais longínqua que nossos meios atuais permitem alcançar. Somos como exploradores diante de um oceano: não sabemos se existe algo além do horizonte. Com efeito, o Big Bang não representa os limites do mundo, mas unicamente os limites dos nossos conhecimentos. Tudo o que sabemos é que há 15 bilhões de anos o Universo era muito diferente do atual: era extremamente quente — bilhões cie graus —, muito denso e desorganizado. Evidentemente, nada de vida, nada de estrelas, nada de galáxias. Nada de moléculas, nada de átomos, nada mesmo de núcleos atômicos. Apenas uma sopa gigantesca, um purê de partículas elementares: elétrons, fótons (ou seja, pequenos grãos de luz) e também quarks e neutrinos, os futuros constituintes dos átomos. Numa palavra, o caos.


Como se sabe disso?

Graças às descobertas da Física e da Cosmologia. Um primeiro grande princípio foi enunciado por Galileu. Antes dele, acreditava-se que existiam dois mundos: o nosso, cambiante e perecível: e o outro mundo, situado além da -Lua, imutável e eterno. -Não obstante, a Lua tem montanhas como a Terra'', constatou Galileu. O que sugere que ambas são astros que fazem parte de um mundo único e que este é regido pelas mesmas leis. É uma descoberta fundamental aquela que Newton enunciará por sua vez: as leis da Física se aplicam tanto à Terra quanto ao Universo inteiro. Graças a esse principio, desde o século XVIII foi possível, por exemplo, estudar o espectro atômico das estrelas e hoje simular as forças do Universo nos grandes aceleradores de partículas. Agora, existem provas de que as constantes universais, como a velocidade da luz ou a massa de um elétron, não variam há bilhões de anos.



Que provas são essas?


Ao contrario dos historiadores que jamais poderão contemplar Roma Antiga, os astrofísicos podem verdadeiramente ver o passado. Na escala do Universo, a luz não viaja tão depressa assim. Um telescópio é uma maquina de voltar atrás no tempo: permite observar astros muito longínquos como os quasares, cuja luz levou 12 bilhões de anos para nos alcançar, astros que não existem mais hoje.



Quer dizer que os astros que vemos essas miríades de estrelas, todas essas galáxias não passam de uma ilusão, uma imagem do passado?

Mas, tudo o que vemos é assim. Não se vê jamais o presente. Quando eu olho, para você, eu a vejo no estado em que estava há um centésimo de microssegundo, o tempo que a luz levou para chegar até mim. Um centésimo de microssegundo é muito tempo na escala atômica. Felizmente, os seres humanos não desaparecem nesse lapso de tempo e eu posso formular sem risco a hipótese de que você está sempre aí. O mesmo vale para o Sol: durante os oito minutos que sua luz leva para chegar à Terra, ele não muda fundamentalmente. Mas, para os astros distantes, é diferente. Quando se fixa um quasar, se recebe uma luz velha, emitida há 12 bilhões de anos. Ora, sabemos que a luz - outra importante descoberta da Física - é na verdade um fluxo de minúsculas partículas a que chamamos fótons. No nosso olho, ou na objetiva do telescópio, recebemos, portanto fótons muito velhos, que viajaram durante 12 bilhões de anos. Em laboratório podemos perfeitamente estudá-los e analisar, por exemplo, sua freqüência ou sua energia. Além disso, sabemos fabricar simplesmente um novo fóton, ao criar um lampejo de luz. Comparando as duas partículas, a muito velha e a nova em folha, encontramos as mesmas constantes físicas. As leis não mudaram passados bilhões de anos.



Ainda assim, o Universo mudou.

Sim, é de resto a grande descoberta do nosso século: o Universo evolui, tem uma historia, não é nem imóvel nem eterno, assim como Galileu, Newton e mesmo Einstein o pensaram.
Dispõe-se até de provas visíveis: a escuridão do céu por exemplo.



Por que isso seria uma prova da evolução do Universo?
Se o Universo fosse eterno, as estrelas teriam emitido luz desde sempre e o céu estaria repleto de claridade. Se é negro, é porque as estrelas nem sempre existiram. E porque, de resto, o espaço entre elas aumenta sem cessar. Disso estamos hoje convencidos: o Universo está em expansão. Foi um astrônomo americano, Edwin Hubble, chie por volta de 1930 constatou que as galáxias se distanciavam umas das outras, tanto mais rapidamente quanto is distantes fossem. Algo como um pudim de passas que se leva ao forno: á medida que ele cresce as passas se distanciam umas das outras. Esse movimento conjunto foi confirmado depois por numerosas experiências e hoje se admite que o Universo infla e esfria há cerca de 15 bilhões de anos.


Por que se chegou a 15 bilhões?

Basta passar o filme ao contrário. Quanto mais se volta atrás no tempo, mais as galáxias se aproximam: o Universo é cada vez mais denso, logo cada vez mais quente e cada vez mais luminoso. Chega-se assim a 15 bilhões de anos. Nesse instante a densidade da matéria é infinita, assim como a temperatura do Universo. Tudo isso está confirmado por fósseis descobertos recentemente.



Fósseis? 

Fósseis cosmológicos são, com efeito, os dados de observação que permitem reconstituir o passado. Algo como os pré-historiadores fazem com fragmentos de ossos. Assim descobrimos uma "radiação fóssil" que permitiu calcular que há 15 bilhões de anos o Universo tinha uma temperatura de pelo menos 3 mil graus. Outros elementos recentes, as medidas da relativa abundância de hidrogênio e de hélio, mostram que cerca de 1 milhão de anos antes o calor alcançava 10 bilhões de graus. E mesmo somente alguns minutos antes, vários bilhões de graus.



Eis então nosso Big Bang. Voltamos à idéia de um começo. Se retornamos no tempo, o seu Universo-pudim é apenas uma bola, com todas as passas agrupadas.

Não. Nossos modelos matemáticos sugerem que, nesse instante, mesmo que a matéria estivesse num estado de densidade muito grande, o Universo era já infinito. Ou, se você preferir, um purê de dimensões infinitas.



Nada de explosão inicial então? 

Podemos reter a imagem da explosão se admitirmos que aquilo explodia em toda parte, em cada ponto do espaço.



Por que o nome Big Bang?

Foi por desprezo que um pesquisador, Fred Hoyle, assim designou, ridicularizando essa teoria de que ele não gostava. Hoje é aceita por todos os cientistas, mas o Big Bang para nós é apenas uma metáfora, pois, em relação àquele momento, nossas noções tradicionais de tempo e espaço não fazem mais sentido.



Por quê?

Porque, nessas altíssimas temperaturas, nossas teorias não se aplicam mais. Toda a Física afunda. Atualmente dispomos de duas grandes teorias: a Física Quântica, que explica muito bem o funcionamento dos átomos e de suas interações, desde que estes não sejam expostos a uma forte gravidade: e a Teoria da Relatividade, que descreve bem o comportamento da matéria sob forte gravidade desde que não se a considere como um conjunto de átomos. Portanto, nenhuma se permite estudar as partículas submetidas a uma forte gravidade, como, foi o caso há 15 bilhões de anos. E o problema fundamental da Cosmologia contemporânea: não conseguimos conciliar essas duas teorias. Muitos pesquisadores, entre os quais Stephen Hawking, trabalham nessa direção. Eles inventam modelos físicos muito complexos, como a "supersimetria", as "supercordas", a "supergravidadc" ou ainda os "miniuniversos". Mas até o presente com pouco sucesso.



Nem se pode dizer se houve ou não um “antes”?

Justamente, não. No passado, quando alguém perguntava o que fazia Deus antes de criar o mundo, havia o costume de responder: “Ele preparava o inferno para os que fizessem essa pergunta”. Santo Agostinho, de seu lado, respondeu: "Perguntar isso supor que o tempo existisse antes da criação do mundos, Ora, também o tempo foi criado”. Hoje em dia os astrofísicos estão um pouco na mesma situação.
Nas condições do Big Bang já não podemos aplicar nossas teorias, o espaço-tempo não é mais definido, não sabemos mais o que significa a palavra “antes”. Eis por que a questão da origem nos deixa, a nós, astrofísicos, mudos e desamparados.



De onde pode vir a solução? Da teoria ou da observação do céu?

Das duas. É necessário que encontremos uma teoria mais global do Universo. Mas estou pronto a apostar que a observação e a descoberta a precederão. Os seres humanos, com efeito, não tem muita imaginação. Poderemos talvez progredir graças ao telescópio espacial, por exemplo, que nos permitirá enxergar mais longe, sem sermos atrapalhados pelo véu da atmosfera terrestre, portanto voltar atrás bastante no tempo durante o milhão de anos que se seguiu ao Big Bang.



E talvez até a este?


Não o “veremos” realmente, pois, quanto mais nos aproximamos, mais o Universo fica opaco, velado pela luz emitida durante o milhão de anos seguinte. Mas, com outros instrumentos, como o telescópio de neutrinos, ainda num futuro longínquo, poderíamos obter uma espécie de radioscopia do Universo, o equivalente ao que se vê do corpo ao observar as imagens de raios X ou dos scanners. Por volta do ano 2000, o telescópio de gravitons, uma espécie de sismógrafo do espaço, permitirá receber não a luz dos astros como um telescópio clássico, mas suas ondas gravitacionais.




Já se conhece bem, agora, o enredo que se desenrolou depois do Big Bang?

Sim, algumas etapas. Ao esfriar, o Universo vai se estruturar conforme o jogo das quatro forças fundamentais que se diferenciaram pouco após o Big Bang: a gravidade (que nos mantém no chão e governa os astros), a força eletromagnética (que une os átomos, por exemplo, o oxigênio e o hidrogênio na molécula de água), a força nuclear forte (que sol- da os núcleos dos átomos) e a força fraca (que governa os neutrinos). Alguns milionésimos de segundos após o Big Bang, as partículas de matéria, os quarks, começam a se organizar em prótons e nêutrons. Estes, por sua vez, vão formar os primeiros núcleos dos átomos simples, como o do hélio. Este último é muito estável – até demais, pois vai frear essa evolução durante um milhão de anos, tempo em que o Universo continua a esfriar e se presta a novas combinações.



Portanto, a evolução não continuou?

Não, Houve soluços, períodos de aceleração. E fases parecidas com as da água, que , ao esfriar, passa do estado de vapor ao de liquido, depois ao de gelo. O Universo passou inicialmente do estado de radiação ao de matéria. Desde então, a gravidade começa a agir: a sopa de partículas forma coágulos, a matéria se concentra em grandes massas: as galáxias, depois as estrelas. Estas vão servir de cadinho aos prótons e aos nêutrons que ai se instalam em núcleos de átomos. Alguns milhões de anos mais tarde, certas estrelas, por falta de combustível, sucumbem e morrem, expulsando sua matéria. Dessa vez, graças à força eletromagnética, os núcleos ejetados se associam enfim em átomos e em moléculas: o hidrogênio, o oxigênio, o gás carbônico e também grãos de poeira, os primeiros sólidos, que irão se agregar para formar os planetas. O nosso nasceu há 5 bilhões de anos. No oceano primitivo, as moléculas cada vez mais complexas se combinam de modo a formar as primeiras células, os primeiros seres vivos. A evolução biológica segue se curso, o homem aparece... Pode-se dizer que os bilhões de bilhões de partículas que constituem os átomos do nosso corpo já existiam há 15 bilhões de anos. A diferença é que hoje elas não estão mais no caos, mas agrupadas na estruturas extremamente complexas que permitem o pensamento.



Quer dizer que a história do Universo é a história da complexidade?

Ela pode ser lida como tal. O Universo sempre evolui d simples para o complexo. Mas atenção: isso só diz respeito a uma porção muito pequena do espaço. A maior parte está ainda muito desorganizada. As nuvens de gás que existem entre as estrelas se parecem com aquilo que eram no momento do Big Bang. Podemos observar uma espécie de pirâmide da evolução cósmica. Quanto mais organizada e complexas as estruturas, menos elas são numerosas. É de certo modo como na Terra: os grandes predadores são menos numerosos que suas presas.



Em suma, o senhor estendeu ao Universo inteiro a idéia darwiniana da evolução e fala como se o Universo tivesse obedecido a uma espécie de lógica. Diria o senhor que o apartamento dos planetas e da vida era inevitável?

Eu tenderia a dizer que sim. Mas é uma opinião pessoal, da qual alguns dos meus colegas não partilham. As leis físicas são ajustadas para produzir a complexidade. Assim, de duas uma: ou elas mesmas decorrem de um principio mais geral, de uma espécie de teoria última do Universo o crente dirá que um ser supremo as fez férteis ou, como dirá ateu, elas decorrem do acaso. Mas nesse ponto se sai da ciência. O que parece assentado é que a complexidade estava inscrita desde o Big Bang. Todavia ela só pôde se expandir em razão do desequilíbrio do Universo.



Como assim?

Se o Universo tivesse esfriado muito lentamente, a matéria teria alcançado depressa um equilíbrio, ela se teria condensado em ferro, o elemento mais estável, e não teria evoluído. Não se conhecem elementos complexos construídos somente a partir de átomos de ferro. Felizmente, graças a seu esfriamento rápido, o Universo pôde produzir em quantidades importantes os outros átomos, corno o carbono, que se presta a muitíssimas combinações, até formar a extrema complexidade do cérebro humano, estrutura distante da estabilidade. De certo modo o equilíbrio é a morte. Um cadáver, por sinal, assume esse estado: as moléculas das quais é formado se desintegram em moléculas rnais simples.



Será que o Universo vai recuperar um dia um equilíbrio, será que ele também morrerá ou vai inchar e esfriar indefinidamente?

Pensa-se que ele continua a esfriar, mas cada vez menos depressa. Nosso Sol vai morrer em 5 bilhões de anos, depois de ter gasto seu combustível. Em mil bilhões de anos todas as estrelas do Universo estarão consumidas e se pensa que não haverá novos astros em formação. Restarão os buracos negros, que requerem mais tempo para se evaporar. E depois? Não se sabe. Mas é muito possível que não tenhamos arrolado todas as forças da natureza, que exista uma quinta, uma sexta força... No começo do século, só se conheciam duas. Ora, toda nova força é suscetível de prolongar a vida do Universo. De acordo corn outro enredo, a temperatura do Universo tornará a subir nesse caso seria necessário retomar filme de trás para diante. Num certo momento teria havido tanta luz que o céu se tornaria branco. A Terra se vaporizaria, a matéria se dissociaria. Nada de vida, nada de organização. As partículas dissociadas recuperariam um estado de equilíbrio. Mas esse enredo é pouco compatível com as observações e não se crê muito nele.



Será que aparecimento do homem modifica essa longa marcha da complexidade?

O homem já intervém na evolução, inventa inteligência artificial. Os cérebros humanos continuam a produzir complexidade. Nós apenas damos continuidade à tarefa da natureza.



Pondo-a em perigo.

Sim. Se nos damos conta de tudo que foi necessário para se chegar aonde estamos, à primeira margarida e a esses seres que agora podem tomar consciência do Universo e discutir suas origens, isso deveria incitar-nos a uma avaliação do nosso comportamento presente.



“O Universo começou sem o homem e terminará sem ele”, disse o antropólogo Lévi-Strauss. O senhor está de acordo com ele?

O homem, talvez, mas não necessariamente a inteligência. Se o ser humano desaparecer, poderia haver outras espécies inteligentes que talvez alcançassem níveis de complexidade ainda mais elevados. Todo o Universo é construído de maneira homogênea. Para onde quer que se olhe se percebe que as primeiras etapas da complexidade já foram superadas: existem estrelas e galáxias que se parecem bastante às nossas e se pode postular ali a própria presença de carbono. Se uma molécula possui mais de quatro átomos, existe carbono! Pode-se assim supor que as etapas seguintes da complexidade tenham sido franqueadas em outros planetas. A inteligência e a consciência me parecem produtos mais ou menos inevitáveis da história do Universo. Penso que elas prosseguirão na sua evolução. Com ou sem nós.



“Os astrofísicos são comparáveis a exploradores diante do oceano: não sabem se há algo além do horizonte”

“ A grande descoberta do nosso século é a de que o Universo tem uma historia: não é imóvel nem eterno, mais evolui”

“Se o Cosmo fosse eterno, a luz das estrelas existiria desde sempre e o céu estaria cheio de claridade”

“Esfriando depressa, o Universo criou os átomos que formariam a extrema complexidade do cérebro humano”

Cientistas criam cérebro em laboratório

Órgão desenvolvido artificialmente é equivalente ao de um feto de cinco semanas.

cérebro sintético

Um grupo da Universidade Estadual do Ohio (EUA) acaba de apresentar sua, como diria certo famoso doutor fictício, criação. Um pequeno projeto de cérebro, do tamanho de uma borracha, desenvolvido a partir de células-tronco tiradas da pele de um adulto. Ele possui organelas identificáveis, como o princípio do nervo óptico, o hemisfério cerebral e a dobra cefálica, todas características de um cérebro embrionário humano de cinco semanas. Mas não é perfeito: os cientistas ainda não conseguiram introduzir nele o sistema circulatório.

cérebro
   Na imagem, detalhe da dobra cefálica (cephalic flexure), da vesícula óptica (optic stalk) e                                         do hemisfério cerebral (cerebral hemisphere)

Fizemos piada e pode até parecer começo de filme de terror, mas, na verdade, a pesquisa é do bem. Os cientistas criaram esse modelo para testar, palavras deles, de forma "ética", drogas experimentais e doenças neurológicas. A razão para a criação, que levou quatro anos, se deve ao fato de o cérebro de ratos de laboratório não ser sempre um modelo ideal para testar problemas humanos. O pequeno cérebro artificial é um modelo ideal para isso. E se você está preocupado: não, ele não pensa - as estruturas responsáveis pela consciência só surgem entre a 24ª e 28ª semana de gestação. Um órgão artificial só é vivo no sentido de que células de pessoas mortas há décadas podem ser vivas - sim, isso existe.
"Ele não apenas parece com o cérebro em desenvolvimento, mas seus tipos diversos de células expressam quase todos os genes como um cérebro", afirma Rene Arand, professor de química biológica e farmocologia da Universidade Estadual de Ohio. "Por um longo tempo temos lutado para resolver problemas complexos de doenças cerebrais, que causam dor e sofrimento tremendos. O poder desse modelo cerebral é promissor para a saúde humana porque ele nos dá opções melhores e mais relevantes para desenvolver terapias que [testes em] roedores."
Já faz alguns anos que cientistas têm criado órgãos humanos cultivados do "zero", a partir de células - e, desde então, órgãos simples, como dentes, bexigas ou traqueias, vêm sendo implantados em pacientes, ainda de forma experimental. Mas esta é a primeira vez que um cérebro, o órgão mais complexo e ainda envolto em mistérios, é desenvolvido tão convincentemente.
Em matéria de notícias de ficção científica, esta semana está rendendo. E, para quem está com saudades da paranoia, vale saber que entre os patrocinadores da pesquisa está a DARPA, a agência de pesquisa do exército americano. O propósito (oficialmente) é exatamente o que os cientistas disseram, testar novas drogas. No caso, para ajudar soldados com transtorno de estresse pós-traumático.

Destino: Terra

A preocupação com o ambiente invade os programas espaciais. Uma batelada de novos satélites vai ajudar os cientistas a entender melhor o que acontece com o planeta.

Durante os últimos 33 anos, desde que os soviéticos lançaram ao espaço o primeiro satélite artificial, o homem se acostumou a pensar nas conquistas espaciais como uma corrida para chegar cada vez mais longe. O Sputnik foi jogado numa órbita entre 228 e 947 quilômetros de distância. Em 1969, astronautas pisaram na Lua, a 384 mil quilômetros da Terra. Depois, naves automáticas rumaram para outros mundos, pousando em Marte e Vênus, tiraram fotos inesquecíveis dos gigantes Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. A sonda Pioneer cruzou os limites do sistema solar e enviou sinais a mais de 6 bilhões de quilômetros. Mas aquela que talvez venha a ser a maior conquista de todos os tempos e está sendo planejada agora dirá respeito a um corpo celeste do qual se supõe conhecer muita coisa: a própria Terra. A idéia de explorar do alto a casa do homem começou a tomar corpo num período relativamente breve. Há três anos, a então astronauta Sally Ryde, hoje professora da Universidade de Stanford, na Califórnia, referiu-se a uma certa Missão ao Planeta Terra no seu relatório sobre o futuro do programa espacial americano depois do desastre com a nave Challenger em 1986. O relatório feito a pedido da NASA desestimulava a busca de proezas mais ousadas, como a ida do homem a Marte ou o estabelecimento de uma colônia lunar, mostrando que a ciência espacial bem poderia contribuir para necessárias pesquisas aqui mesmo na Terra. Mas foi preciso que a crise ambiental se transformasse em assunto de todos os dias para que os promotores da conquista do espaço começassem a pensar seriamente em usar mais esse valioso instrumento para enxergar melhor o que acontece no quintal terrestre.
Na realidade, há anos que o homem aproveita os avanços tecnológicos que possibilitaram às naves espaciais ir tão longe para ter uma idéia melhor das ameaças ao meio ambiente. Já no final da década de 70, por exemplo, as imagens enviadas pelo satélite meteorológico Nimbus-7 deram aos cientistas a péssima noticia de que havia um buraco sazonal na camada de ozônio sobre a Antártida, um dos mais sérios problemas criados pela poluição industrial. As naves espaciais documentaram também o desmatamento das florestas tropicais, a desertificação na África, o ar envenenado das grandes cidades e o mau uso do solo. Os satélites de sensoriamento remoto verdadeiros olhos no espaço, captaram as radiações emitidas pela superfície do planeta tanto na faixa do visível como no infravermelho e em microondas.
Com essas imagens hoje se faz desde a avaliação dos recursos naturais a estimativas de colheitas agrícolas, passando pela observação de acidentes ecológicos, além de planejamento urbano e cartográfico. Mas os instrumentos disponíveis precisam evoluir muito para documentar todas as complexas interações entre o solo, os oceanos e a atmosfera. "A física e a química do funcionamento do planeta ainda não foram compreendidas e a nossa habilidade de prever mudanças é falha", diagnostica o microbiólogo sueco Thomas Rosswall, diretor-executivo do Programa Internacional de Geosfera e Biosfera (IGBP), ouvido por SUPERINTERESSANTE. Ele esteve há pouco no Brasil para participar de um seminário sobre mudanças ambientais na América Latina, no Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) em São José dos Campos.
Segundo explicou, o programa IGBP, que funciona em 34 países, pretende justamente reunir dados que permitam aos pesquisadores prever a repercussão da atividade humana no meio ambiente, especialmente nas concentrações e misturas de gases na atmosfera, no clima e nas interações entre esses fenômenos. "Para isso precisamos de novos e mais eficientes instrumentos de trabalho", afirmou o cientista. "Não podemos compreender o funcionamento da Terra apenas vigiando aqui e medindo acolá, sem integrar todas as peças no quebra-cabeça." Para facilitar essa integração, cujos benefícios talvez incluam projeções menos polêmicas sobre as conseqüências do efeito estufa sobre o nível dos mares, os países envolvidos na exploração espacial planejam lançar até o final da década de 90 quinze satélites equipados com instrumentos para medir praticamente tudo que vale a pena neste mundo — da espessura do gelo na Groenlândia à força das tempestades tropicais no Oceano Índico.
Para o sueco Rosswall, esta nova versão daquilo que Sally Ride chamou Missão ao Planeta Terra apenas terá sentido se todas as informações forem usadas em pesquisas interdisciplinares — diferentemente dos experimentos espaciais anteriores que coletavam dados apenas para determinados estudos. Em sua opinião, "só assim os cientistas vão entender o delicado sistema de funcionamento do planeta e influenciar os responsáveis pelas decisões políticas para que tomem as medidas necessárias à redução da atividade destrutiva do homem".
O maior dos projetos que compõem a Missão ao Planeta Terra é o Earth Observing System (EOS), ou Sistema de Observação da Terra, de responsabilidade sobretudo da NASA, composto a princípio de duas séries de três plataformas polares, pesando cada uma 15 toneladas e com carga útil de 3,5 toneladas. Como comparação, um satélite de sensoriamento remoto da série Landsat, atualmente em órbita, pesa cerca de oito vezes menos. O projeto prevê o funcionamento ao mesmo tempo de duas plataformas, uma de cada série. O primeiro lançamento será em 1997. Cada plataforma ficará em órbita durante cinco anos a 824 quilômetros de altitude. Como os lançamentos serão sucessivos, espera-se que durante quinze anos o sistema forneça informações praticamente diárias sobre o planeta. Fazem também parte do projeto outras plataformas semelhantes, que serão lançadas pelo Japão e pela Agência Espacial Européia, e ainda a colocação de uma série de pequenos satélites em órbita equatorial com missões específicas, como por exemplo acompanhar as variações na espessura da camada de ozônio na atmosfera.
Se a NASA conseguir os dólares necessários, serão lançados mais cinco satélites em órbita geoestacionária a 36 mil quilômetros do equador. Nessa altitude, igual à dos satélites meteorológicos, estarão sempre na mesma posição e assim poderão medir qualquer processo no planeta de maneira contínua. Desde já, a Missão ao Planeta Terra é considerada um dos maiores e mais caros projetos concebidos pela agência espacial americana—estima-se que terá um orçamento de 20 bilhões de dólares, uns 3 milhões a menos do que serão gastos na controvertida estação espacial Freedom, onde também se prevê a instalação de medidores de chuva, de ventos e de radiação solar na região equatorial (SUPERINTERESSANTE número 8, ano 3). Os defensores da Missão batalham para que os Estados Unidos o adotem como prioridade nacional, à maneira do projeto Apolo na década de 60, que levou o homem à Lua. Desta vez, poucos teriam a coragem de dizer, como então, que se trata de dinheiro jogado fora para satisfazer uma vaidade patriótica: o projeto pode ajudar a recuperar o meio em que o homem vive.
Embora o lançamento da primeira plataforma polar EOS só vá ocorrer daqui a sete anos — se não houver atrasos —, o seu funcionamento está sendo desenhado desde já. "É um projeto que requer planejamento e um complexo programa de análise e tratamento de dados", informa o engenheiro agrônomo Getúlio Batista, do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE). "O Sistema de Observação da Terra deve coletar mil vezes mais informações do que os satélites Landsat." Batista, que vai passar os próximos dois anos no Goddard Space Flight Center, em Maryland, Estados Unidos, é o coordenador de um dos 55 projetos aprovados pela NASA para serem desenvolvidos com o auxílio dos dezenove sensores da plataforma polar. Ele vai acompanhar o ciclo da água na Amazônia para entender como o desmatamento afeta o ecossistema da floresta tropical.
"É uma oportunidade única para estudar o papel da floresta no clima do globo", entusiasma-se o pesquisador, um dos integrantes da equipe de sensoriamento remoto do INPE acostumada a denunciar com imagens vindas do espaço a extensão das queimadas brasileiras. Os satélites atuais não são capazes de detectar as taxas de evaporação e transpiração da floresta, o que significa que até hoje não se sabe com precisão quanto chove de verdade na Amazônia. Mas os sensores da plataforma polar do EOS podem medir temperatura, umidade e quantidade de poeira na atmosfera. Eles também vão fornecer a cada três dias, com resolução de até 500 metros, imagens da vegetação — ou de sua perda — na superfície da floresta.
A plataforma polar do EOS conta ainda com um instrumento de alta resolução e sensibilidade para observar mudanças biológicas nos rios da Amazônia, capaz de rivalizar com os satélites-espiões que Estados Unidos e União Soviética tanto apreciam para bisbilhotar as armas secretas um do outro. "Será uma espécie de lente zoom no espaço", compara Batista. "O sensor tem resolução de 30 metros, igual ao do Landsat, mas suas bandas espectrais, divisões das faixas de luz, serão 192, contra sete do satélite americano e quatro do francês Spot", contabiliza o pesquisador. "Com ele vamos acompanhar a vazão dos rios, a quantidade de sedimentos depositados, a qualidade da água nos reservatórios e o impacto das barragens." Esse mesmo sensor poderá identificar minerais e tipos de solos, quantidade de plânctons nas zonas costeiras, impurezas na neve e o efeito da umidade e da poluição nas folhas. Haja pesquisadores para interpretar tamanha constelação de dados.
Outro instrumento, dotado de laser deve medir os movimentos da crosta terrestre —proporcionando, quem sabe, informações de vital importância a populações de áreas sujeitas a terremotos, como a Califórnia —, a cobertura da camada de gelo nos pólos e até a altura das ondas oceânicas. E um radar, enfim, fará o mapeamento das terras, mares e superfícies geladas mesmo nos dias nublados e durante a noite. Além de participarem do EOS, os países que já mandaram seus brinquedos ao espaço têm outros projetos em andamento para esta década. Um deles é o Topex/ Poseidon, um empreendimento conjunto dos Estados Unidos e da Agência Espacial Européia, que será lançado em dois anos. Como o nome sugere, o engenho deverá estudar os padrões de circulação dos oceanos e sua relação com as mudanças no clima terrestre.
O satélite americano Space Radar Observatory, por sua vez, com lançamento marcado também para 1992, será o primeiro a fazer um mapeamento completo do planeta por radar, o que certamente será a alegria dos geógrafos. Mais importante ainda, o aparelho medirá as taxas de dióxido de carbono da atmosfera que são o principal indicador do efeito estufa. Os japoneses devem lançar o Geotail, destinado a estudar a energia na magnetosfera, camada além da ionosfera que se estende até a faixa-limite do espaço interplanetário. Os soviéticos têm dois satélites programados para estudar a influência da energia solar no planeta, um tema que por sinal vem mobilizando especialmente os cientistas desde o ano passado devido à intensificação da atividade do Sol neste período.
Estudar a Terra certamente não provoca tanta excitação quanto o sonho de enviar missões tripuladas a outros planetas, mas os próprios cientistas que têm a cabeça em Marte ou mais longe ainda estão acordando para o imperativo de que consertar o planeta é prioritário à sobrevivência da humanidade. Como diz o astrofísico americano John Eddy, da Universidade do Colorado, um dos integrantes do Programa Internacional de Geosfera e Biosfera, "quando escreverem o livro da História do século XXI, as próximas gerações se perguntarão porque demoramos tanto até olhar para a nossa casa". Antes tarde do que nunca: justamente para recuperar o tempo perdido, o Ano Internacional do Espaço, marcado para 1992 a fim de coincidir com as comemorações dos quinhentos anos da descoberta da América, será dedicado à Missão ao Planeta Terra.
A cor do mar e o efeito estufa
Que será que os plânctons, microscópicos organismos da superfície dos oceanos, tem a ver com o equilíbrio climático da Terra? As imagens coloridas dos oceanos transmitidas pelo satélite Nimbus-7 de 1978 a 1986 dão uma pista e mostram de maneira exemplar o que os cientistas do Programa Internacional de Geosfera e Biosfera (IGBP) querem dizer quando falam em interação dos processos físicos, químicos e biológicos do sistema terrestre. Como os vegetais do solo, os plânctons contêm clorofila e outros pigmentos que absorvem a luz solar nas faixas azul, amarela e vermelha do espectro. Assim, existe uma relação entre as cores das camadas superiores do oceano, captadas pelos sensores do infravermelho do satélite, e a concentração de plânctons ali.
Os cientistas que estudam o clima terrestre, os climatologistas, não sabem ainda qual o volume de dióxido de carbono, emitido pela queima de combustíveis fósseis, que acaba absorvido pelos oceanos, mas calculam que seja significativo. Uma boa porcentagem desse gás, um dos principais causadores do efeito estufa, é usada biologicamente pelos plânctons na fotossíntese e portanto não contribui para o aquecimento da atmosfera. Esses organismos também são responsáveis pela absorção de nitrogênio e partículas de fósforo e ferro da atmosfera na síntese de proteínas. Quanto eles absorvem dessas substâncias é uma questão por responder. E a resposta pode fornecer uma indicação a mais sobre a quantas anda o ar do mundo.

À procura do pulsar da Supernova 1987A

Novas descobertas sobre a Supernova 1987A.

A existência das estrelas de nêutrons — astros muito compactos constituídos, como o nome indica, exclusivamente de nêutrons — foi imaginada pelo físico soviético Lev Landau, em 1932, e estudada em detalhes pelos físicos J. Robert Oppenheimer, Robert Serber e George M. Volkoff, de 1938 a 1939. Durante muitos anos, os astrônomos duvidaram da existência dessas estrelas até que em 1967 foi descoberto o primeiro pulsar. Ou seja, uma fonte radioestelar que emite pulsos de duração média de milésimos de segundo, que se repetem a intervalos extremamente regulares, da ordem de 1,4 segundo. Desde então, os astrônomos interpretam as centenas de pulsares observados como estrelas de nêutrons em rotação muito rápida sobre seu próprio eixo.
Os modelos estelares prevêem que quando uma supernova explode libera uma forte energia sob a forma de neutrinos. Ao mesmo tempo, expulsa o seu envoltório e, provavelmente, desenvolve no seu interior uma estrela de nêutrons. Por isso, quando em 24 de fevereiro de 1987 explodiu a supernova do século, a 1987A, a 150 mil anos-luz da Terra, os astrônomos previram o nascimento de um pulsar (SUPERINTERESSANTE números 1 e 2, ano 2). Quase dois anos depois, em janeiro último, um grupo de astrônomos americanos, liberados por John Middleditch, do Laboratório de Los Álamos, no Texas, e Tim P. Sassem, do Laboratório Lawrence Berkeley, na Califórnia, anunciou ter detectado no telescópio de 4 metros de diâmetro do Observatório Cerro Tololo, no Chile, o pulsar há tanto tempo procurado.

A descoberta continha uma surpresa extra: a rotação do pulsar era muito superior à esperada - verdadeiramente excepcional. Durante sete horas de observação, o novo pulsar pulsou surpreendentemente com 1968,629 ciclos por segundo, repetindo as pulsações a cada meio milissegundo (0,0005 segundo). De acordo com as teorias atualmente aceitas, um pulsar tão jovem ( com apenas dois anos de existência) não deveria girar tão rápido. Além do mais, deveria ser bem mais luminoso.As observações parecem indicar que ele possui um companheiro, o que constitui um enigma adicional. Para alguns astrofísicos, um objeto girando a essa velocidade está no limite da desintegração, sob o efeito da força centrifuga. Há ainda outro problema que advém da formação do pulsar. Os astrônomos admitem, com base na conservação do momento angular, que, se o caroço resultante do colapso da supernova-mae decresce em tamanho por um fator de 100 a 1100 ( de algumas centenas de quilômetros de raio a dez quilômetros), seu período de rotação proporcionalmente decrescerá segundo um fator entre 10 mil e 1 milhão. Ora, se o pulsar gira ao redor do seu eixo em 0,0005 segundo, isto significa que o período de rotação do caroço foi de dez minutos. Tal valor é muito rápido para uma estrela supergigante como a Sanduleak (-69º202), por exemplo. De acordo com os astrônomos, seu período de rotação dura alguns dias. Para confirmar a descoberta e elucidar algumas duvidas relativas às observações dos americanos, um grupo de astrônomos europeus, liderados por K. Ogelman, tentou estudar o pulsar da Supernova 1987A .

Apesar de longas horas de observação em fevereiro último, eles não conseguiram detectar nenhum pulsar. Em meados de março, Middleditch e seus colegas, fazendo novas observações, também não encontraram nenhum sinal do pulsar de modo intermitente. Por outro lado, em 16 de março, os astrônomos Arlin P. Crotts e William E. Kunkel descobriram dois novos halos elípticos ao redor da supernova. O maior dos dois anéis está a 200 dias-luz da supernova e o menor, a um ano-luz. Existem ainda outros pontos de difícil explicação e talvez fosse o caso de procurar rever as idéias sobre supernovas e/ou sobre pulsares.


O astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é membro da Comissão de Estrelas Múltiplas e Duplas, de História de Astronomia e de Asteróides e Cometas da União Astronômica Internacional


Eventos do mês
Meteoros

Entre os dias 12 e 21 de novembro, vão aparecer meteoros do enxame Leonideos, famosa chuva de estrelas cadentes observada pela primeira vez por Alexander von Humboldt, em 1799, na Venezuela. Seu radiante está situado na constelação de Leão. Tais meteoros são rápidos, amarelo-esverdeados, deixando rastros muito tênues. A freqüência é variável, o que justifica observá-los anualmente em noites sem luar e longe das luzes das cidades.
Sol
A superfície solar, próxima a sua máxima atividade, que ocorre a cada onze anos, apresenta numerosas manchas. Algumas podem ser observadas a olho nu, tornando-se o cuidado de proteger a vista com filtros especiais ou com a parte mais escura de uma chapa de raios X inutilizada.
Fases da Lua

Quarto crescente dia 6, às 1lhl1min; lua cheia, dia 3, às 2h5lmin; quarto minguante, dia 20, à 1h44min; lua nova, dia 28, às 6h4lmin. A região de luz cinzenta da Lua, chamada Lua cinzenta, poderá ser observada entre 29 de novembro e 2 de dezembro. Nos dias e 2, a estrela Antares e o planeta Vênus estarão em conjunção, tornando a observação da Lua cinzenta ainda mais interessante.
Planetas
Vênus: Na constelação de Sagitário, será visível durante todo o mês como astro vespertino, logo após o pôr-do-sol, do lado oeste (magnitude: - 4,5). Atingirá seu maior afastamento do Sol no dia 8. No dia 15, Vênus estará em conjunção com Saturno, na constelação de Sagitário.


Saturno: Visível na constelação de Sagitário como astro vespertino até fins de dezembro, do lado oeste (magnitude: 0,6). No dia 15 estará muito próximo a Vênus.


Júpiter: Visível durante quase toda a noite, na constelação de Gêmeos, com brilho intenso (magnitude: –2,6).


Urano: Visível na constelação de Sagitário como astro vespertino até o início de dezembro, do lado oeste (magnitude: 6,0).


Netuno:
 Visível na constelação de Sagitário, no céu vespertino, até meados de dezembro (magnitude: 8,0). Para os iniciantes é bom lembrar que não será difícil reconhecer os planetas, já que seu brilho é fixo, não cintilam, e o melhor ponto de referência é a Lua. No dia 2, Vênus estará ao norte da Lua; no dia 3, Urano, Saturno e Netuno estarão ao norte da Lua; no dia 26, Marte estará ao norte da Lua; e, no dia 30, Urano estará ao norte.

Marte: Ainda muito próximo ao Sol, Marte (abaixo) será visível deslocando-se da constelação de Virgem para Libra em meados do mês, como astro matutino, antes do nascer do Sol, do lado leste (magnitude: 1,6).

Leis de Kepler: Os caminhos dos Planetas

Em pleno século XVII, ele estabeleceu as três leis gerais que descrevem as órbitas planetárias e promoveu uma revolução na Astronomia.

Johannes Kepler foi concebido às 4h37 da madrugada do dia 16 de maio de 1571 na aldeia de Weill região da Suábia, Sudoeste da Alemanha - e nasceu às 15h30 de 27 de dezembro, exatamente 224 dias, 9 horas e 33 minutos mais tarde. Esses são, pelo menos, os cálculos inscritos numa espécie de horóscopo que Kepler fez para si mesmo e sua família. Segundo o documento, seus parentes formavam uma formidável constelação de indivíduos degenerados, neuróticos ou francamente malucos. O que não impediria Kepler de revolucionar a Astronomia, estabelecendo as três leis gerais das órbitas planetárias, base sobre a qual o físico inglês Isaac Newton construiria, em 1665, a grande síntese da gravitação universal.
Kepler era uma criança enfermiça, de membros delicados, e sofria de miopia e poliocopia anocular (visão múltipla). Mas, graças à inteligência brilhante, foi aceito aos 13 anos no seminário teológico de Adelberg. Ganhara uma bolsa de estudo concedida pelo duque de Wurttemberg. Neurótico, como era de esperar, Kepler abominou o seminário em geral e seus colegas em particular. Atormentado por problemas de relacionamento, refugiou-se nos estudos. Tornou-se muito bem-visto pelos professores, alguns dos quais permaneceram seus amigos ao longo de toda a sua existência.
Há várias indicações de que no final da adolescência seu temperamento tornou-se mais fácil. Diplomou-se pela Faculdade de Artes da Universidade de Tubingen aos 20 anos e ingressou então na Faculdade Teológica, onde estudou mais quatro anos. Antes que pudesse prestar os exames finais, recebeu um proposta para ocupar o posto de professor de Matemática e Astronomia de Graz, capital da Estíria, província austríaca. Além das aulas, Kepler devia preparar todos os anos um calendário de previsões astrológicas, tarefa que ele classificava de “diversão simiesca e sacrílega”, mas lhe rendia vinte florins extras. “O espírito habituado à dedução matemática, quando se vê frente a frente com os falsos alicerces da Astrologia”, lamentava-se ele, “resiste longamente como um burro teimoso até que, compelido pelas pancadas e pragas, mergulha o pé no imundo lamaçal”.
O acontecimento capital de sua estada em Graz, no entanto, foi uma espécie de lampejo que lhe atravessou o espírito em 9 de julho de 1595, no instante em que desenhava figuras geométricas no quadro-negro. Note-se que essa famosa descoberta era inteiramente equivocada e hoje parece estapafúrdia. Kepler estava ensinando a seus alunos o sistema heliocêntrico - os planetas girando em torno do Sol, grande novidade exposta havia apenas doze anos pelo astrônomo polonês Nicolau Copérnico (SUPERINTERESSANTE número 1, ano 3). Subitamente, pareceu-lhe muito significativo o fato de existirem apenas seis planetas (Urano, Netuno e Plutão ainda não haviam sido descobertos) e cinco sólidos perfeitos: tetraedro, cubo, octaedro, dodecaedro e icosaedro.
Ocorreu-lhe inscrever e circunscrever esses cinco sólidos em seis esferas. E verificou que a distância entre as diferentes esferas era proporcional à distância real existente entre as órbitas dos diferentes planetas. Ou melhor, mais ou menos proporcional. Porque, se os números concordavam aproximadamente no caso de Marte, da Terra e de Vênus, tornavam-se totalmente discrepantes para Júpiter e Mercúrio. Kepler “quebrou o galho” alegando que a discrepância em relação a Júpiter não espantaria ninguém, já que o planeta ficava “longe demais”. Quanto a Mercúrio, recorreu provisoriamente à fraude, alterando o número segundo suas conveniências.
Mas era honesto demais para se contentar com esses subterfúgios e, na tentativa de provar sua teoria maluca, mergulhou em pesquisas persistentes e detalhadas sobre o sistema solar. Em 1596, aos 24 anos, Kepler publicou um resumo de suas primeira tentativas na obra intitulada Mysterium cosmographicum. No ano seguinte, casou-se. O horóscopo do dia do casamento, 27 de abril de 1597, que apresentava um “céu calamitoso” cumpriu-se integralmente.
Após atormentar a paciência do marido durante catorze anos, Barbara Kepler morreu louca. A vida do casal foi agitada. Mal tinham se casado, quando o jovem arquiduque Fernando de Hamburgo (mais tarde imperador Fernando II) achou que era hora de varrer as províncias austríacas da heresia luterana. No verão de 1598, a escola de Kepler fechou as portas e em setembro todos os professores luteranos receberam ordem de abandonar as províncias. Kepler, que tinha amigos entre os jesuítas, conseguiu evitar o exílio forçado, mas perdeu o emprego. A prudência recomendava que fosse procurar novos ares.
Há algum tempo ele desejava visitar o famoso astrônomo dinamarquês Ticho Brahe no observatório de Uraniborg, na ilha de Hven entre Copenhague, na Dinamarca, e Helsingborg, na Suécia. Ticho, obcecado pela idéia de precisão nas observações que fazia, dedicara-se a construir instrumentos científicos cada vez mais perfeitos e a comparar uns com os outros, para conhecer o erro inerente a cada um. Com eles produziu, ao longo de 35 anos, grossos volumes de anotações, espantosamente precisas para os padrões da época, que pretendia utilizar para reentronizar a Terra como o centro do Universo - posição da qual começava a ser afastada desde a publicação dos trabalhos de Nicolau Copérnico.
O notável observador tinha, no entanto, escassos dotes para a Matemática - daí alegrar-se com a perspectiva de ter Kepler a seu lado, a fim de fornecer-lhe os cálculos necessários para dar sustentação à sua idéia. Kepler, ao contrário, esperava ter acesso aos volumes de Ticho para desenvolver suas próprias teorias a respeito sobretudo da movimentação dos planetas. A hora era boa à execução do projeto, tanto mais que, por coincidência, Ticho se desentendera com o rei Cristiano IV e acabara de se mudar da longínqua Uraniborg para a cidade de Praga, capital da atual Tchecoslováquia, onde recebera o posto de Matemático Imperial das mãos do imperador Rodolfo II.
Os dois homens já se correspondiam há algum tempo e, sabendo que Kepler se encontrava em situação precária, Ticho convidou-o a mudar-se para Praga, onde poderia viver e trabalhar como seu hóspede no castelo de Benatek. A convivência diária entre eles foi, no entanto, um pesadelo. Kepler pretendia trabalhar em paz. Encontrou o castelo em reformas para a instalação do observatório e cheio de visitantes e membros da corte pessoal de Ticho Brahe. O pior é que não conseguia obter os dados que tanto desejava.
Queixou-se numa carta: “Ticho não permite que eu participe de suas experiências. Só durante as refeições, entre outros assuntos, ele menciona, de passagem, hoje o número do apogeu de um planeta, amanhã outro dado qualquer”. Sabe-se lá qual seria o fim da relação entre os dois astrônomos se a morte não tivesse chegado para separá-lo dezoito meses depois do primeiro encontro. Ticho Brahe morreu inesperadamente e foi enterrado em Praga em 4 de novembro de 1601. Dois dias mais tarde, Kepler foi nomeado para sucedê-lo no posto de Matemático Imperial. Em Praga, Kepler ficou os onze anos seguintes, boa parte dos quais dedicou a cuidadosas observações da trajetória do planeta Marte.
Foi o período mais fértil de sua vida, sobretudo porque, confrontado com o fato de que Marte não se comportava nem como desejava Ticho Brahe nem como descrito no trabalho de Copérnico, pôs-se a elaborar sua própria teoria para dar seqüência às observações. Em 1601, publicou sua obra-prima, Astronomia Nova, que trazia duas de suas três leis planetárias fundamentais. A primeira delas afirma que os planetas descrevem órbitas em forma de elipses com o Sol em um dos seus focos. A segunda lei afirma que a velocidade dos planetas varia de tal forma que percorrem áreas iguais em tempos iguais.
São as primeiras leis naturais no sentido moderno, na medida em que utilizam termos matemáticos para descrever relações universais governando fenômenos particulares. Com ela, a Astronomia separou-se da Teologia para unir-se à Física. Não foi um divórcio fácil. Desde os gregos, filósofos afirmavam que os astros percorriam trajetórias circulares em velocidade uniforme. A tarefa dos astrônomos consistia, sobretudo, em construir sistemas cada vez mais complicados para conciliar essa “verdade decretada” com as observações que iam fazendo com seus próprios olhos.
Um dos sistemas em voga no tempo de Kepler distinguia dois centros para o sistema solar: um centro físico, que seria o próprio Sol, e um centro geométrico (não coincidente com o primeiro) eqüidistante de todos os pontos da órbita circular. Dava-se, igualmente, muita importância ao chamado punctum equans, ponto a partir do qual o planeta apresentava a velocidade angular constante. Kepler gastou cinco anos e cobriu novecentas páginas com cálculos em letra pequena na tentativa de determinar esses três pontos para o caso de Marte. Fracassou. Somente então, esgotadas todas as possibilidades, ousou examinar a hipótese de astros percorrendo órbitas não circulares em velocidades variáveis. Refez os cálculos e sem mais idéias preconcebidas e dentro de um ano encontrou as duas primeiras leis.
Nunca teria chegado a esse resultado se não tivesse herdado as observações acumuladas ao longo dos anos por Ticho Brahe. No último estágio de seus cálculos, empregou 180 medidas diferentes da distância entre o Sol e Marte. Mas de nada lhe adiantariam todos esses números se não possuísse também poderosa intuição sobre os mecanismos do Universo. Foi assim, por exemplo, que muito antes de Newton ele já descrevia a gravitação universal nos seguintes termos: “Se duas pedras fossem colocadas em qualquer lugar do espaço, uma perto da outra, e fora do alcance de um terceiro corpo material, unir-se-iam, à maneira dos corpos magnéticos, num ponto intermediário, aproximando-se cada uma em proporção à massa da outra”.
E mais adiante: “Se a Terra cessasse de atrair as águas do mar, os mares se ergueriam e iriam ter à Lua (...)”. “Se a força de atração da Lua chega até a Terra, segue-se que a força de atração da Terra, com maior razão, vai até a Lua e ainda mais longe.” Caso Kepler tivesse se preocupado em conciliar a idéia da atração universal com suas próprias leis, poderia ter ido ainda mais longe. Mas parece ter recuado por uma espécie de repugnância filosófica partilhada por Galileu, Descartes - e o próprio Newton, de início - diante dessa força fantasmagórica capaz de agir a distâncias astronômicas, sem agente intermediário e de maneira instantânea, um conceito aparentemente místico e não “científico”, indigno de cientistas modernos como ele.
Outros interesses e preocupações iriam ocupá-lo nos anos seguintes. Galileu publicou na Itália o Mensageiro das Estrelas, em que anunciava algumas descobertas feitas com o uso de um novo e revolucionário aparelho, o telescópio - e a que mais controvérsias causou foi a descoberta de quatro planetas (na verdade, satélites) girando ao redor de Júpiter. Kepler foi o primeiro nome de peso a apoiar o trabalho de Galileu, mas nem por isso conseguiu que estes lhe enviasse um telescópio para suas próprias observações. Quando conseguiu um, emprestado pelo duque de Colônia, escreveu Dioptrice, um tratado no qual lança as bases da Ótica, novo ramo da Física.
Com 141 definições, axiomas e proposições precisas e austeras, o tratado é uma exceção na sua obra cheia de digressões filosóficas. O ano de 1611 trouxe-lhe uma série de desgraças. Rodolfo II, seu protetor, foi obrigado a abdicar do trono, a vida em Praga tornou-se insuportável pelos efeitos acumulados da guerra civil e das epidemias. Morreram-lhe a mulher e um filho. Conseguiu conservar o posto de Matemático Imperial, mas foi transferido para a cidade de Linz, na Áustria, onde viveria catorze anos, até a idade de 55. Ali também não lhe faltaram peripécias. Casou-se novamente e dessa vez parece ter sido mais feliz. Susanna deu-lhe sete filhos. Em compensação, enfrentou horas dramáticas durante o processo de sua própria mãe, acusada de feitiçaria. Ainda assim continuou produzindo e, em 1618, terminou Harmonice Mundi (Harmonia do Mundo), uma espécie de síntese geral englobando Geometria, Música, Astrologia e Astronomia.
O fracasso dessa ambição desmedida só não foi absoluto porque, no meio de toda a barafunda que é o livro, aparece anunciada com toda a clareza a sua terceira lei sobre as órbitas planetárias: “Os quadrados dos períodos de revolução de dois planetas quaisquer estão entre si como os cubos de suas distâncias médias do Sol”. Nos onze últimos anos que ainda lhe restariam de vida, Kepler publicou mais duas obras importantes: a Epitome astronomiae copernicanae e as Tabulae rudolphinae. Na Epitome ele demonstra que as leis planetárias originalmente deduzidas para o caso de Marte também são válidas para todos os outros planetas conhecidos, também para a Lua e para os satélites de Júpiter.
As Tabulae rudolphinae - assim batizadas em honra do imperador Rodolfo II - são as observações de Ticho Brahe, organizadas e ampliadas pelo próprio Kepler. Além de tabelas e regras para a localização dos planetas, o livro traz um catálogo de pouco mais de mil estrelas. Com a Europa convulsionada pela Guerra dos Trinta Anos, a vida particular de Kepler tornou-se cada vez mais problemática. Parte de Linz foi destruída por um incêndio durante a revolução camponesa de 1626 e ele deixou a cidade sem planos definitivos. Viveu um ano em Ulm, visitou Praga e acabou se instalando no condado de Sagan, na Silésia. Estava na miséria. O salário de Matemático Imperial, teoricamente muito bom, raramente chegava a ser pago. Em outubro de 1629, tomou o rumo de Viena, nova sede da corte, com a idéia de cobrar pelo menos parte do que lhe era devido. Morreu no caminho, poucos dias depois de chegar à cidade de Ratisbona - ou a Regensburg, segundo outra versão -, em 15 de novembro de 1630. Sua sepultura acabou destruída.
As três leis, em resumo
1 - A órbita de um planeta P tem a forma de elipse com o Sol S em um dos seus focos. T é a Terra.
2 - Os planetas percorrem áreas iguais em tempos iguais, como para ir de B a A, de D a C, de F a E. As áreas BSA, DSC e FSE são iguais.
3- Os quadrados dos períodos de revolução de dois planetas quaisquer estão entre si da mesma forma que os cubos de suas distâncias médias do Sol. Isso se aplica também a Urano, Netuno e Plutão, que Kepler não chegou a conhecer.
O veemente advogado de Katherine

Entre 1615 e 1629, 38 mulheres acusadas de feitiçaria foram queimadas vivas na praça principal de Weill, a aldeia onde nasceu Kepler. Em Leomberg, a localidade vizinha, outras seis tiveram a mesma sorte, apenas na primavera de 1615. Katherine, a mãe de Kepler, que estava vivendo em Leomberg e era especialmente malquista, logo se viu cercada por suspeitas. Segundo se comentava, ela teria oferecido bebidas à mulher de um certo Bastian Meyer e ao mestre-escola Beutelspacher. O mestre-escola ficou paralítico e a senhora Meyer morreu de mal súbito. Também morreram os dois filhos do alfaiate Daniel Schmidt, supostas vítimas de seu mau-olhado. Diziam todos na aldeia, enfim, que ela era capaz de entrar nas casas através das portas fechadas e que mandara o coveiro desenterrar o crânio de seu próprio pai para fazer uma taça.

Mas o que parece ter desencadeado a abertura do processo foi uma briga com a mulher do vidraceiro Jacob Reinho, cujo irmão tinha certa influência por ser barbeiro da corte do duque de Wurttemberg. Nos seis anos seguintes, deixando de lado antigos desentendimentos, Kepler dedicou-se à tarefa de salvar sua mão da fogueira. Sua conhecida veemência parece ter impressionado desfavoravelmente o escrivão que deixou anotado: “A acusada apareceu neste tribunal acompanhada, infelizmente, pelo filho Johannes Kepler, matemático”. A fase final do processo demorou um ano. O ato de acusação continha 49 itens e o da defesa, redigido em sua maior parte pelo próprio Kepler, se estendia por 128 páginas. Katherine foi finalmente libertada, mas não pôde voltar a Leomberg. A população local estava decidida a linchá-la.
Analogia entre a idéia e a observação.
Em nossos tempos, justamente os momentos de grandes preocupações e de grandes tumultos, os homens e suas políticas não nos fazem muito felizes. Por isso estamos particularmente comovidos e confortados ao refletirmos sobre um homem tão notável e tão impávido quanto Kepler. No seu tempo, a existência de leis gerais para os fenômenos da natureza não gozava de nenhuma certeza. Por conseguinte, ele devia ter uma singular convicção sobre essas leis para lhes consagrar, dezenas de anos a fio, todas as suas forças, num trabalho obstinado e imensamente complicado.
Com efeito, ele procura compreender empiricamente o movimento dos planetas e as leis matemáticas que o expressam. Está sozinho. Ninguém o apoia nem o compreende. Copérnico fizera notar, antes dele, que o melhor meio de compreender e de explicitar os movimentos aparentes dos planetas consiste em considerar esses movimentos como revoluções ao redor de um suposto ponto fixo, o Sol. Portanto, se o movimento de um planeta ao redor do Sol como centro fosse uniforme e circular, seria singularmente fácil descobrir, a partir da Terra, o aspecto desses movimentos. Mas, na realidade, os fenômenos são mais complexos e o trabalho do observador muito mais delicado. Foi preciso primeiro determinar tais movimentos empiricamente, utilizando as tabelas de observação de Ticho Brahe,. Somente depois desse enfadonho trabalho, tornou-se possível encarar ou sonhar com as leis gerais a que se moldariam esses movimentos.
Mas o trabalho de observação dos movimentos reais de revolução é muito árduo e, para tomar consciência deles, é preciso meditar na evidência: jamais se observa em momento determinado o lugar real de um planeta. Sabe-se somente em que direção ele é observado da Terra, que, por seu lado, perfaz ao redor do Sol um movimento cujas leis ainda não são conhecidas. As dificuldades pareciam praticamente insuperáveis.
Kepler viu-se forçado a encontrar o meio para organizar o caos. A princípio, ele descobre que é preciso tentar determinar o movimento da própria Terra. Ora, esse problema seria simplesmente insolúvel se só existisse o Sol, a Terra, as estrelas fixas, com a exclusão dos outros planetas. Porque se poderia, empiricamente, determinar a variação anual da direção da linha reta Sol-Terra (movimento aparente do Sol em relação às estrelas fixas). Mas seria só isso. Poder-se-ia também descobrir que todas essas direções se situariam num plano fixo em relação às estrelas, na medida em que a precisão das observações recolhidas na época permitira formulá-lo. Porque ainda não existia o telescópio!
Ora, era preciso determinar como a linha Sol-Terra evolui ao redor do Sol. Kepler notou então que, a cada ano, regularmente, a velocidade angular desse movimento se modificava. Mas essa verificação não ajudou muito, porque não se conhecia ainda a razão por que a distância da Terra ao Sol variava. Se apenas se conhecessem as modificações anuais dessa distância, ter-se-ia podido determinar a verdadeira forma da órbita da Terra e a maneira como se realiza.
Kepler encontrou um processo admirável para resolver o dilema. Em primeiro lugar, de acordo com os resultados das observações solares, ele viu que a velocidade do percurso aparente do Sol contra o último horizonte das estrelas fixas é diferente nas diversas épocas do ano. Mas viu também que a velocidade angular desse movimento permanece sempre a mesma na mesma época do ano astronômico. Portanto, a velocidade de rotação da linha Terra-Sol é sempre a mesma, se está dirigida para a mesma região das estrelas fixas. Pode-se, então, supor que a órbita da Terra se fecha sobre si mesma e que ela a realiza todos os anos da mesma maneira.
Essa descoberta já significou um progresso. Mas como determinar a verdadeira forma da órbita da Terra? Imaginemos uma lanterna M, colocada em algum lugar no plano da órbita, que lança viva luz e conserva uma posição fixa, conforme já verificamos. Ela constituirá então, para a determinação da órbita terrestre, uma espécie de ponto fixo de triangulação ao qual os habitantes da Terra poderiam se referir em qualquer época do ano. Precisemos ainda que essa lanterna está mais afastada do Sol do que da Terra. Graças a ela, pode-se avaliar a órbita terrestre.
Ora, a cada ano, existe um momento em que a Terra T se situa exatamente sobre a linha que liga o Sol S à lanterna M. Se, nesse momento, se observar da Terra T a lanterna M, essa direção será também a direção SM (Sol-lanterna). Imaginemos essa última direção traçada no céu. Imaginemos agora uma outra posição da Terra, em outro momento. Já que, da Terra, se pode ver tão bem o Sol S quanto a lanterna M, o ângulo em T do triângulo STM se torna conhecido. Mas conhece-se também pela observação direta do Sol a direção ST em relação às estrelas fixas, ao passo que anteriormente a direção da linha SM em relação às estrelas fixas fora determinada de uma vez por todas. Conhece-se igualmente no triângulo STM o ângulo em S. Portanto, escolhendo-se à vontade uma base SM, pode-se traçar no papel, graças ao conhecimento dos dois ângulos em T e em S, o triângulo STM. Será então possível operar assim várias vezes durante o ano e, de cada vez, se desenhar no papel um localização para a Terra T, com a data correspondente e sua posição em relação à base SM, fixa de uma vez por todas. Kepler determinou assim, empiricamente, a órbita terrestre.
Porém, objetarão, onde é que Kepler encontrou a lanterna M? Seu gênio, sustentado pela inesgotável e benéfica natureza, ajudou-o a encontrar. Podia, por exemplo, utilizar o planeta Marte. Sua revolução anual, isto é, o tempo que Marte leva para realizar uma volta ao redor do Sol, era conhecida. Pode acontecer o caso em que Sol, Terra, Marte se encontrem exatamente na mesma linha. Ora, essa posição de Marte repete-se a cada vez depois de um, dois etc. anos marcianos, porque Marte realiza uma trajetória fechada. Nesses momentos conhecidos, SM apresenta sempre a mesma base, ao passo que a Terra se situa sempre em um ponto diferente de sua órbita. Portanto, nesses momentos, as observações sobre o Sol e Marte oferecem um meio para se conhecer a verdadeira órbita da Terra, pois o planeta Marte reproduz nessa situação a função de lanterna imaginada e descrita acima.
Kepler descobriu assim a forma justa da órbita terrestre, bem como a maneira pela qual a Terra a realiza. Temos de admirar e glorificar Kepler por sua intuição e sua fecundidade. A órbita terrestre estava então empiricamente determinada; conhece-se a qualquer momento a linha SA em sua posição e grandeza verdadeiras. Portanto, em princípio, não devia ser muito mais difícil para Kepler calcular, pelo mesmo processo e por observações, as órbitas e os movimentos dos outros planetas. Mas na realidade isso apresentava enorme dificuldades, porque as matemáticas de seu tempo ainda não eram primárias.
Contudo, Kepler ocupou sua vida com uma segunda questão, igualmente complexa. As órbitas, ele as conhecia empiricamente, mas seria preciso deduzir suas leis desses resultados empíricos. Ele estabeleceu uma suposição sobre a natureza matemática da curva da órbita e foi verificá-la depois por meio de enormes cálculos numéricos. E, se os resultados não coincidiam com a suposição, ele imaginava outra hipótese e verificava de novo. Executou prodigiosas pesquisas e obteve um resultado conforme a hipótese ao imaginar o seguinte: a órbita é uma elipse da qual o Sol ocupa um dos focos. Encontrou então a lei pela qual a velocidade varia durante uma revolução, no ponto em que a linha Sol-planeta realiza, em tempos idênticos, superfícies idênticas. Enfim, Kepler descobriu que os quadrados de durações de revolução são proporcionais às terceiras potências dos grandes eixos de elipses.
Nós admiramos esse homem maravilhoso. Porém, para além desse sentimento de admiração e veneração, temos a impressão de nos comunicar não mais com um ser humano mas com a natureza e o mistério de que estamos cercados desde nosso nascimento. A razão humana, eu o creio muito profundamente, parece obrigada a elaborar antes e espontaneamente formas cuja existência na natureza se aplicará a demonstrar em seguida. A obra genial de Kepler prova essa intuição de maneira particularmente convincente. Ele dá testemunho de que o conhecimento não se inspira unicamente na simples experiência, mas fundamentalmente na analogia entre a concepção do homem e a observação que faz.